segunda-feira, 4 de maio de 2009

Abril no Porto

Estávamos em Abril de 1974, mais concretamente na noite de 24 de Abril desse ano.
Eram cerca de 22 horas e 50 minutos, quando saía das instalações do Quartel General do Porto um Volkswagen 1300, (frequentemente conhecido como “carocha”), descaracterizado e de cor preta. No seu interior seguiam três membros da Secção Especial do Esquadrão da Policia Militar aquartelado na sede da Região Militar do Norte.

A Policia Militar, hoje em dia designada de Policia do Exercito, é uma tropa especialmente vocacionada para zelar e manter a ordem de toda a população militar do exército. No período a que se reportam os acontecimentos, esta unidade do exercito era particularmente activa no sentido de localizar e capturar os chamados desertores, ou seja, todos aqueles que renunciassem à sua obrigação militar. Para além disso desempenhavam outras funções bastante importantes, tendo inclusive granjeado louvores oficiais em missões ultramarinas.

Em Abril de 1974, como já atrás foi dito, havia um esquadrão da Policia Militar aquartelado no Quartel General do Porto. Alguns elementos desse esquadrão formavam a Secção Especial.
A Secção Especial da Policia Militar tinha autorização para uso de traje civil, uma vez que as missões que desempenhava tinham carácter mais sigiloso.

Durante a tarde do dia 24 de Abril, o comandante do esquadrão da Policia Militar, Major Eurico Corvacho, abordou Oliveira, condutor da Secção Especial, no sentido de saber se este tinha alguma patrulha prevista para essa noite. A resposta foi afirmativa, e nesse sentido, Eurico Corvacho, solicitou ao Oliveira, que nessa noite, ele e os restantes colegas da Secção Especial se encontrassem num café da cidade do Porto, no sentido de apurarem informações relativas à captura de um desertor.

Tal como tinha sido combinado, às 22 horas e 50 minutos, saía do Quartel General, o Volkswagen preto conduzido pelo Oliveira, que tinha ao seu lado Pacheco, e atrás, mais um colega da Secção Especial. Os três dirigiram-se então ao café previamente combinado, para se encontrarem com Corvacho.

Depois desse encontro, e de terem feito paragem em mais dois bares, dirigiram-se por volta da meia-noite, e a pedido de Corvacho, para o CICA (Centro de Instrução de Condução Automóvel), uma unidade do exercito instalada ao lado da antiga Reitoria da Universidade do Porto, e onde hoje em dia funciona uma extensão do Hospital de Santo António.

Quando o carro onde seguia a patrulha da Secção Especial se aproximou da entrada do CICA, Corvacho pediu a Oliveira que accionasse os máximos da viatura. Logo de seguida os portões do CICA abriram-se por completo permitindo a entrada do “carocha” para o seu interior.
Neste momento, Oliveira apercebeu-se que algo de estranho se passava, e a razão dessa desconfiança era simples.Em nenhuma unidade militar, é permitida a entrada sem a devida identificação e completa verificação dos elementos que se apresentam.

Mal entraram no CICA, Oliveira questionou Corvacho sobre o que se tinha passado.
Foi aí que Corvacho explicou aos elementos da Secção Especial que estava a pôr-se em marcha um golpe militar e que ele (Corvacho) tinha sido incumbido pelo Otelo Saraiva de Carvalho no sentido de liderar as operações para controlar o Quartel General do Porto. Também explicou que a Secção Especial tinha sido escolhida para liderar a coluna militar que iria tomar posse do Quartel General, por duas razões especiais, a primeira pelo facto da sua flexibilidade de horários, já que a sua chegada ao quartel durante a madrugada não iria levantar quaisquer suspeitas, e a segunda pelo facto da sua influência e conhecimento dos processos de verificação e guarda do Quartel General.
Nessa altura, Corvacho informou que nenhum dos elementos era obrigado a participar e que podiam recusar a missão sem quaisquer consequências. Apesar dos receios óbvios nenhum dos elementos o fez.

Corvacho, Oliveira, Pacheco e Lobo dirigiram-se para a sala de comando instalada no CICA. Aí, os diversos oficiais envolvidos no movimento demonstravam a pressão a que estavam sujeitos, quer pelo fumo que se sentia na sala quer pela sua própria agitação. Cada um daqueles elementos tinha uma função especifica a desempenhar. Um deles, que estava incumbido de ocupar o lugar de um Brigadeiro, dizia que iria levar uma granada no bolso e que caso ele não se rendesse colocava-lhe a granada na boca e sacrificava-se pela pátria. É um relato chocante, mas revelador da pressão e também do sentido de serviço a que aqueles homens estavam sujeitos e demonstravam.

Pouco depois formava-se a uma coluna militar com camiões de soldados, veículos pesados e artilharia. Na sua frente, o Volkswagen 1300.
A coluna militar seguiu então em direcção ao Quartel General. A coluna dirigiu-se para a entrada das traseiras, e Oliveira que tinha sido incumbido por Corvacho no sentido de desempenhar essa missão, dirigiu-se à Porta de Armas do Quartel para que o Oficial-de-dia, desse ordem para abertura dos portões. Antes disso, Oliveira já tinha explicado a Corvacho que quando os sentinelas iam abrir o portão pousavam a sua arma sempre num sitio especifico, o que permitiria desarmar quase de imediato esses sentinelas.

E assim foi. Quando Oliveira voltou para as traseiras do Quartel, já os portões estavam a ser abertos e os sentinelas desarmados. Mas o sucesso ainda não estava garantido. Para os golpistas poderem reclamar o Quartel General, tinham que capturar o General que nele habitava. Nesse sentido, havia ainda um obstáculo a ultrapassar, chamado Guimarães.

O Guimarães tratava-se de um elemento da Policia Militar com uma envergadura física impressionante, que como todos os Policias Militares, consequência da sua formação, cumpria as regras estabelecidas com todas as sua forças.

Como um dos objectivos do Golpe Militar em marcha era a minimização do número de mortes, Corvacho pediu ao Guimarães que entregasse a sua arma, coisa que os militares são instruídos para não fazer em qualquer circunstância. Mas Guimarães manteve-se completamente irredutível. Corvacho, que tinha um objectivo a cumprir encostou uma pistola ao Guimarães e ameaçou-o de morte. Nesse momento, Oliveira pediu calma e falou com Guimarães no sentido de o convencer a entregar a sua arma, pois também ele já fazia parte do movimento. E assim aconteceu. Guimarães juntou-se ao demais e o General foi capturado.
Momentos mais tarde o Comando das Operações do golpe Militar era informado que o Quartel General do Porto estava controlado.


Esta história que aqui narrei teve como principal objectivo homenagear esses homens valentes que contribuíram para o nascimento da liberdade em Portugal.

É com grande orgulho que afirmo que o Oliveira indicado na história, cujo nome completo é Mário Francisco Gomes de Oliveira, é meu Pai.

Quando se fala no 25 de Abril, dá-se todo o destaque às operações em Lisboa, que foram muito importantes, sem duvida. No entanto, é um acto de justiça para a com a nossa história não esquecermos todos aqueles que nas diversas partes do país também fizeram a revolução e permitiram que Portugal não mergulhasse desde logo numa Guerra Civil e que o Golpe tivesse o sucesso que se veio a verificar.

Um especial destaque ao Major Eurico Corvacho, que comandou as operações da revolução na zona norte do país e que tanto foi esquecido e injustiçado. De minha parte e de parte de meu Pai, Muito Obrigado.


Viva o 25 de Abril!
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!

9 comentários:

  1. Em nome do meu pai, agradeço a homenagem.
    Eduardo de Melo Corvacho

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  2. Em nome do meu Avô, que se encontra neste momento numa cama de hospital a lutar pela doença que tem(amarrado, pois a suposta familia foi de férias), agradeço a homenagem.
    Catarina Corvacho

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  3. Quem diria que o Menino Eduardo de Melo Corvacho, que agradeçe a homeagem, foi de férias e abandonou o pai numa cama de hospital como um indigente.... felizmente o Coronel Corvacho tem familia que a desde a primeira hora que soube do problema se empenhou em encontrar soluções. Até ao último mom um grande homem, vide
    http://blogueforanada.blogspot.com/2006/02/guin-6374-dlxxvi-o-meu-capito-o-capito.html
    Eurico C. Corvacho

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  4. ou vide este
    http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
    Eurico C. Corvacho

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Sou a mãe do menino Eduardo de Melo Corvacho,um dos melhores alunos do Col Militar e com quem Eurico Corvacho viveu mais de 20 anos e conforme diz quem mais de perto conviveu, foi muito feliz e eu própria confirmo. O menino teve de se tornar homem mais depressa que deveria porque o seu pai, sofrendo de uma doença hereditária, neurológica (percipitada por assuntos que foram alheios ao menino e á mãe e que não quero, entrar em pormenor, porque tem a ver com outra familia directa do nosso coronel),sofreu directamente na pele juntamente com a sua mãe e outras testemunhas, os ataques de agressividade e outras manisfestações de mal estar, próprias da doença, mas que nos levaram a consultas de urgência no Hosp Militar, onde foi prescrita a institucionalização do srº Coronel e acompanhamento de apoio psiquiátrico à sua Mulher, EU - mãe do menino que teve de crescer depressa.E para satisfazer a curiosidade de quem lê estes blogs, o sr coronel deu entrada no Hosp Amadora Sintra com um principio de pneumenia, que se prolongou por uma bactéria hospitalar.Apesar das férias merecidas o menino e a mãe foram ao dito hospital e já com alta, o pai do menino continuou mais 4 dias no Hosp.(de acordo com o combinado com superiores) para poder entrar directamente no Centro de Recuperação de Oeiras, cujo processo de entrada já vinha sendo alvo de várias conversações e a alta nível!! Como se pode ver e a qualquer momento, se provar, que ao Coronel Eurico Deus Corvacho, nunca faltou a mão da mãe do Menino no apoio e resolução de todo este processo E SEM AJUDA DE MAIS NINGUÉM!!! A um Menino que cresceu depressa mas ainda é menor, não se pode pedir mais!!
    Falar e escrever nos blogs é fácil, especialmente paara quem tem mto tempo livre. A minha homenagem ao pai do meu filho, como militar e como companheiro dedicado.
    Aproveito para esclarecer Catarina Corvacho neta mais velha do nosso Coronel, que nunca o visitou enquanto ele esteve em casa, que ela tão bem conhecia pois até morou no mesmo prédio vários anos, que o avõ na data em que ela se manifestou tão desolada, neste blog, o avõ já estava instalado no C recoperação de Oeiras

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  7. em nome do meu pai, que esteve preso sem culpa formada durante 4 meses à ordem desse senhor, que nada teve com o regime anterior, conforme consta do relatório das sevícias, lhe digo que o senhor corvacho deveria ter sido preso.

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  8. comentarios sem razao nem logica e alguma maldade e inveja

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  9. Sou um militar de Abril, dado que servi o meu País no Exército, de Junho de 1972 a Fevereiro de 1975. Primeiro no Regimento de Lanceiros 2 -Polícia Militar em Lisboa, a partir de Maio de 1973 no Quartel General no Porto, fazendo parte do Esquadrão de Polícia Militar. Falar do Major Eurico Corvacho Comandante da Região Militar do Norte, naquela época, só mesmo quem de perto conviveu com Ele.Homem e Militar de grande Carácter e Humanismo,sobretudo para com os mais fracos, e desfavorecidos. Um dos grandes impulsionadores das Campanhas de Alfabetização levadas a cabo no Norte e Nordeste, onde o Caciquismo, e o Fascismo tinham grande força (MDLP, ELP e outras forças fascistas).Dá-me vontade de rir, quando alguns fascistas da cidade do Porto, pois também os há cá, se lamentam de terem sido detidos, para alguns só mesmo a forca.Lembrar o 1º primeiro de Maio livre, que jamais se apagará da memória de quem o viveu no terreno. Por fim, prestar a título Póstumo, a minha grande e sincera homenagem a esse enorme Militar de Abril, Major, Eurico de Deus Corvacho.Para os mais cépticos, sou Tripeiro de alma e coração, há já quase 62 anos.

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