quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O Desenrascanço

Ontem, na qualidade de cidadão, desloquei-me à Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira, com o objectivo de assistir à Assembleia de Freguesia que aí iria ter lugar.

Devo dizer, em abono da verdade, que a maneira como a referida assembleia decorreu me surpreendeu pela positiva, uma vez que se desenrolou num ambiente de grande cordialidade e de saudável troca de ideias e de críticas construtivas.

Apesar disso, existiram duas situações que me deixaram preocupado.

A assembleia estava marcada para as 21 horas, mas ao bom estilo pseudo-português, assisti com alguma indignação ao inicio dos trabalhos às 21:50 minutos, tendo o responsável da Assembleia, com um ar divertido, dito isso mesmo aos presentes, que também divertidos constataram o facto e o consideraram tão normal como qualquer outra situação do dia-a-dia.

Como se este choque inicial não bastasse, o responsável pela Assembleia, que desde o seu inicio tinha tomado da palavra, começou por explicar aos membros da Assembleia que a reunião dispunha de um regimento a regulamentar o seu funcionamento, mas que para o bom andamento dos trabalhos, e uma vez que estávamos na presença de pessoas de bem, ele não seria cumprido. Mais uma vez todos os membros concordaram!

Ora, depois da descrição destes factos, passarei a explicar as razões que me levam a ficar indignado relativamente a estas situações, que acabam por se enquadrar na mesma filosofia de actuação. Tudo se prende com a questão do rigor que a sociedade impõe a si própria. Uma sociedade sem regras nunca será uma verdadeira sociedade. É completamente lastimável que a Assembleia de um órgão Autárquico se inicie com 50 minutos de atraso, e não haja sequer uma única voz de protesto quanto a esta situação. Mas que exemplo estão as instituições a dar à nossa população? Quando se verifica que uma reunião institucional deste tipo, começa com 50 minutos de atraso, e a situação não provoca qualquer protesto, tudo é possível!

E depois temos a situação do regimento. As vozes contrárias à minha opinião poderão dizer que sou demasiado burocrata, ou que dou demasiado valor a questões que não têm assim tanta importância. A verdade, é que se trata de uma questão de exemplo e de rigor. Vivemos num estado de direito, e que por isso dispõe de normas e regras que fundamentam a nossa vida em sociedade. Ora, se uma Assembleia de Freguesia dispõe de um regimento, como é que se pode vir dizer, perante qualquer cidadão presente, que o regimento existe, mas como é demasiado burocrático é-lhe feita tábua rasa.

Pois eu vou começar a aconselhar as pessoas a não tirarem carta de condução! Aquilo é demasiado burocrático, e ao fim ao cabo, pode-se aprender a conduzir sem grandes problemas, até porque somos todas pessoas civilizadas.

Haja sentido de responsabilidade! Se o regimento não é adequado, que se mude o regimento de forma a sê-lo. Mas mostremos aos cidadãos que existem regras e que elas devem ser cumpridas de forma espontânea e como maneira de demonstrar civismo.

Para finalizar este primeiro ponto, é importante dizer que se os portugueses tivessem uma cultura de maior rigor poderiam ter enormes vantagens sobre outras culturas e sociedades.

Posso dizer que conheço razoavelmente bem a cultura anglo-saxónica, pela qual sou bastante influenciado. De facto, esta cultura pauta-se pelo rigor, que começa logo pela famosa pontualidade, mas que se alastra às questões de organização. De facto, na cultura anglo-saxónica, os procedimentos são regulamentados ao pormenor, e todos os intervenientes, seguem a regulamentação religiosamente e sem desrespeitar qualquer regra ou norma. Mas nem tudo é perfeito nesta maneira de encarar as situações. De facto, tive a oportunidade de assistir a reuniões com intervenientes britânicos em que um ligeiro desvio ao plano de uma reunião, que aconteceu por motivos de força maior, deixou esses mesmos intervenientes completamente sem saberem o que fazer ou dizer, porque essa situação não estava prevista no regimento da referida reunião.

Já em Portugal, que supostamente deveria ter sido influenciado pela cultura anglo-saxónica, baseamos a nossa organização no desenrascanço. E até admito que somos bons a fazê-lo! No entanto, levamos essa maneira de actuação ao extremo, e dessa forma perdemos credibilidade, produtividade e competitividade.

Se a cultura portuguesa tivesse os valores do rigor anglo-saxónico podíamos ter enormes vantagens em relação a outras sociedades, porque iríamos dispor da nossa natural facilidade de ultrapassar imprevistos.

Mas o rigor deve ser imposto por quem dá o exemplo, ou seja, pelos líderes das nossas organizações e pelos órgãos das mesmas. Neste assunto, ninguém está impune, somos todos culpados. Seria bom que pensássemos nisto e começássemos a não considerar atrasos de 50 minutos como algo absolutamente normal, porque não o é! Definitivamente, não o é!

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